No passado, era comum os torcedores temerem alguns excelentes cobradores de bolas paradas. Afinal, Zico, Neto, Marcelinho Carioca e Rogério Ceni eram especialistas que tornavam as faltas em chances claras de gol. No entanto, atualmente, comemorar os gols de falta tornaram-se eventos cada vez mais raros no país do futebol.
O gráfico abaixo, evidencia a queda de 2011 a 2020 no campeonato brasileiro. Com exceção da edição de 2021, são 62% de gols a menos nos últimos 8 anos.
Diante disso, quem são os culpados por essa redução?
Diminuição na quantidade de infrações
Segundo a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o jogo está cada vez menos faltoso, dado que, de 2015 a 2019, houve uma diferença de 130 faltas marcadas no Brasileirão. Uma das justificativas para isso, trata-se da evolução tática do jogo.
Conforme o livro de Israel Teoldo da Universidade Federal de Viçosa, a tática no futebol significa gestão do espaço. Dessa forma, os jogadores atuais administram o espaço onde se localizam de forma mais eficaz, proporcionando, portanto, melhores distâncias entre eu-companheiro (cobertura defensiva) e eu-opositor (contenção), para disputar a bola sem atraso e, consequentemente, evitar faltas involuntárias.
Evolução da barreira
Pesquisadores do Imperial College London, revelam o aumento de 4 cm na altura média de jovens brasileiros nos últimos 35 anos, devido, principalmente, a maior disponibilidade de alimentos e a menor exposição a doenças no ano de nascimento.
O crescimento mencionado acima também foi notado nas seleções brasileiras de 1970 a 2018. De 1970 a 1994, a altura média correspondia a 1,77cm. Já de 1998 a 2018, a mesma medida aumentou para 1,81cm.
Seguindo a mesma lógica evolutiva, uma análise realizada por quem vos escreve, observou um comportamento padrão positivo na barreira atual, que antigamente era pouco desempenhado.
No total, estudamos 60 cobranças de faltas, divididas em dois grupos com 30 gols em cada: finalizações antigas e finalizações atuais. Em 20 dos 30 gols realizados no passado, a barreira preferiu se manter estática. Entretanto, nas 30 cobranças atuais analisadas, a barreira optou 27 vezes pelo salto. Veja alguns exemplos no vídeo abaixo:
Mas, por que esse deslocamento não acontecia com tanta frequência?
Conversando com alguns preparadores de goleiros inseridos em clubes brasileiros, podemos concluir que antigamente era instruído para a barreira permanecer imóvel, pois quanto mais movimentos os jogadores realizavam, mais o guarda redes era prejudicado. A julgar pelas situações em que os atletas abrem a barreira e permitem o gol adversário.
No entanto, com o passar dos anos, verificamos que, quando devidamente coordenada para o salto, a barreira tende a ajudar o goleiro através de cabeceios. Desse modo, esses novos constrangimentos do futebol moderno dificultam a acurácia nas batidas, e consequentemente, resultam em menos gols de falta.
Prevenção de lesões
Muito se fala da interferência dos fisiologistas e preparadores físicos, perante as cobranças de bolas paradas após a sessão de treino. Afinal, essa intervenção se torna compreensível, após considerarmos a exigência física do jogo atual, somada com as viagens desgastantes em um calendário repleto de competições.
Enquanto na década de 70, o jogador profissional percorria de 4 a 7 km/jogo, o atleta atual se desloca entre 9 e 11 km/jogo, afirma o fisiologista do São Paulo F.C.
Portanto, o cuidado da comissão técnica precisa ser imposto para haver equilíbrio entre sobrecarga e volume no momento ideal da semana.
À vista disso, uma alternativa seria dividir a quantidade total de cobranças de faltas nos dias da semana, havendo uma baixa intensidade, mas com treinos constantes.
Contudo, em virtude do vasto conteúdo para ser abordado em tão pouco tempo, o técnico pode optar pelo treino de bolas paradas apenas um dia antes do jogo. Assim, a estratégia será convocar pelo menos 3 jogadores para praticar esse fundamento, visto que, a repetição alta poderá prejudicar o único cobrador daquele dia. Temos como exemplo o comentário do ex-jogador Neto, relembrando o treinamento de 70 cobranças diárias, mas sofrendo com lesões constantemente.
Avanço da tecnologia
Com o passar dos anos, métodos, equipamentos e softwares foram desenvolvidos de modo a corrigir os mínimos detalhes e garantir melhores performances. Cito a entrevista com o goleiro Weverton, conquistador do ouro olímpico de 2016, em que o pênalti defendido se deveu a um estudo dos analistas de desempenho para prever a batida do adversário.
Nesse sentido, a tecnologia facilita a antecipação de movimentos provocados pelos cobradores de bolas paradas, analisando, principalmente: pé dominante, biomecânica da finalização, velocidade do chute e canto preferido.
Portanto, assim como tudo na vida, o futebol também evolui. Dentro e fora de campo, as ciências do esporte contribuíram para um jogo mais desenvolvido nas últimas décadas. Basta assistir à uma partida de 40 anos atrás e, posteriormente, observar um jogo atual. Não há período melhor ou pior, cada contexto é único. Logo, seria injusto inserir parâmetros modernos no futebol mais longevo, e vice-versa.
Por que os gols de falta diminuíram?
Os tempos são outros e, com a influência contextual, as tendências vêm e vão. Hoje, vimos apenas alguns argumentos sobre a atual dificuldade de gols de falta, dentre eles: menor quantidade de infrações marcadas, evolução estrutural e técnica da barreira, cuidado com as lesões e avanço da tecnologia.
Os especialistas nessas cobranças estão sumindo, mas será que a especialidade passou a ser outra e você ainda não a enxergou?
Confira abaixo um episódio do Podcast sobre o assunto:
Fontes e Referências
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