Quem nunca ouviu ou leu a frase “trocou seis por meia dúzia”? Como você bem sabe, isso quer dizer que a substituição não surtiu efeito, pois trocou jogadores que atuam na mesma posição. Ok, mas e o que isso tem a ver com a Teoria dos Sistemas no Futebol?
Primeiramente, para falar sobre esse equívoco amplamente difundido, começamos por um conceito de Sistema e também, na sequência, abordaremos a Teoria dos Sistemas. Mas, antes disso, pense consigo mesmo: podemos rotular dois jogadores, apenas por jogarem na mesma posição e ocuparem, em tese, o mesmo espaço em campo?
O que é um sistema?
De acordo com Rodrigo Leitão, em sua Tese de Doutorado, “um sistema, é um conjunto de variáveis que se relacionam, onde todos os seus elementos assumem graus de importância, influenciando e sendo influenciados”. Então, em outras palavras, um sistema é um conjunto de elementos que interagem entre si e, a partir destas interações, formam o “todo”.
Teoria dos Sistemas
Para falar de forma clara sobre a Teoria dos Sistemas, é necessário apresentar um trecho de Edgar Morin e Jean-Louis Le Moigne:
“A teoria dos sistemas lança igualmente as bases de um pensamento de organização. A primeira lição sistêmica é que ‘o todo é mais do que a soma das partes’. Isso significa que existem qualidades emergentes que nascem da organização de um todo e que podem retroagir às partes. Assim, a água tem qualidades emergentes com relação ao hidrogênio e ao oxigênio que a constituem. Acrescento que o todo é igualmente menos do que a soma das partes. Uma vez que as partes podem ter qualidades que são inibidas pela organização do conjunto.”
De forma simples, vamos entender que para compreendermos que na Teoria dos Sistemas “o todo é formado a partir da interação de suas partes”. Logo, descrevê-lo a partir do entendimento de suas partes isoladamente, é impossível (Reducionismo). Assim como também não é possível entendê-lo desconsiderando estas partes (Holismo). Do todo às partes, das partes ao todo.
Implicações coletivas e individuais
Partindo do trecho de Morin e Le Moigne, citado acima, podemos traçar paralelos para o fracasso ou sucesso de times e jogadores. Sendo assim, vamos dissecar suas implicações em cada uma delas:
- Coletivamente, temos que um conjunto de craques não faz, necessariamente, um grande time, sendo o contrário também um fato. Ou seja, a soma das partes pode ser menor ou maior que o todo, devido a todas as interações que influenciam no desempenho dos atletas. Dito isto, Valeriy Lobanovskiy, histórico treinador Ucraniano, em trecho apresentado no livro “A Pirâmide Invertida”, fala sobre querer um “time-estrela” e não um “time de estrelas”, ressaltando sua visão do coletivo em detrimento do individualismo;
- Individualmente, temos que um jogador pode ter suas características potencializadas ou reprimidas pelo modelo de jogo do seu time. Então, um jogador comum, pode se transformar em craque em determinado time e contexto, assim como o inverso também é verdadeiro.
Citar a influência do contexto é importante para completar o raciocínio. Então, os jogadores não interagem apenas uns com os outros, mas também com todo o ambiente (campo, regras impostas pelo jogo, clima, torcedores, etc.).
Seis por meia dúzia?
Quando o treinador faz uma substituição entre atletas da mesma posição, se ouve essa conhecida frase. Mas, e aí, após ler tudo que já foi escrito aqui, você concorda com isso? Vamos adiante.
O time como um sistema
Leon Teodorescu, um dos grandes estudiosos dos Jogos Desportivos Coletivos, foi um dos primeiros a tratar uma equipe como um sistema. Em trecho presente na publicação “Abordagem sistêmica do jogo de futebol: Moda ou necessidade”, dos professores Júlio Garganta e Jean Francis Gréhaigne, Teodorescu cita que:
“A equipe é um sistema, uma vez que as ações dos jogadores são integradas numa determinada estrutura, segundo um determinado modelo, de acordo com certos princípios e regras.”
Desta forma, forma-se uma equipe a partir da interação entre os jogadores. E as ideias de jogo do treinador moldarão as interações.
Cabe ressaltar que já nos anos 70, o treinador Lobanovskiy, mencionado acima, já tinha a ideia de que as equipes são sistemas.
Seis por meia dúzia? Não no sistema equipe!
Sabendo que o time é um sistema e os jogadores, elementos deste sistema, interagem uns com os outros a todo o momento, de diferentes formas e em diferentes setores, será que é possível existir a substituição “seis por meia dúzia”? Os jogadores são pessoas, assim sendo, são únicos e, como únicos que são, também interagem com os demais elementos da equipe de forma única. Então, ao substituir um jogador por outro, você está também modificando as interações existentes no sistema equipe, e, por consequência, alterando o próprio sistema.
Para concluir, as substituições não alteram apenas jogadores, mas sim todas interações existentes dentro do sistema equipe. Logo, altera o próprio sistema, então não, não existe a substituição seis por meia dúzia.
Sabe o Futebol? Ele é complexo. Então, por favor, não seja superficial em suas análises.
Reflita com a analogia feita pelos Professores Israel Teoldo, José Guilherme e Júlio Garganta, no livro “Para um Futebol Jogado com Ideias”: Como o sistema cardiovascular reage a um coração transplantado? Quais são as implicações deste transplante neste sistema? Agora, pergunte para si mesmo, será que no sistema equipe é tudo tão simples, é “seis por meia dúzia”?
Contato do autor – Instagram: @ralazzarottop
Confira um episódio do Podcast Ciência da Bola que fala sobre o assunto:
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