O treinamento no futebol vem evoluindo e caminhando cada vez mais ao encontro da especificidade do jogo. Nesse sentido, os jogos reduzidos no futebol vêm sendo amplamente utilizados para aproximação entre o jogo e o treino.
Com base nisso, estudos já demostraram o aumento do desempenho físico e técnico em equipes que utilizam este método durante suas sessões de treinamento. Contudo, precisamos ter atenção ao caráter estrutural dos jogos reduzidos no futebol. Isso porque, existem diversos fatores que podem influenciar na resposta da demanda física e fisiológica dos atletas durante a realização das atividades. Por exemplo: a dimensão do campo, as regras do jogo, o incentivo verbal por parte da comissão, a duração do trabalho, a composição das equipes, o número de jogadores, entre outros fatores.
Relação entre número de jogadores e a demanda física e fisiológica.
Podemos dividir os jogos reduzidos no futebol em três grupos:
- Pequenos jogos (1×1, 2×2, 3×3, 4×4);
- Médios jogos (5×5, 6×6, 7×7, 8×8);
- Grandes jogos (9×9, 10×10).
Diante disso, os jogos menores apresentam mais respostas fisiológicas (maior carga interna), quando comparado aos grandes jogos. Em outras palavras, valores de concentração de lactato, frequência cardíaca (FC) e PSE são mais elevados neste formato de jogo.
Nessa mesma linha, devido ao fato do trabalho ser realizado em alta frequência cardíaca, o formato de pequenos jogos é uma boa alternativa para o desenvolvimento da capacidade aeróbia dos atletas. Entretanto, jogos no formato de 4×4+goleiro também seriam uma boa alternativa para o treinamento da potência muscular, pois o contato constante com o centro do jogo e as poucas alternativas de passes, obrigam os jogadores a realizarem um grande número de acelerações e desacelerações.
Manipulação das dimensões do campo
As diferentes dimensões de campos nos jogos reduzidos impactam em mudanças nas movimentações dos atletas durante a atividade. As principais mudanças são em relação à velocidade máxima alcançada, distância total percorrida e distância percorrida em alta intensidade. Portanto, há uma relação linear entre o aumento do campo de jogo e o aumento das variáveis citadas.
Esta relação pode ser explicada pelo simples fato que, em campos com dimensões maiores, existe mais espaço para que os atletas percorram grandes distâncias e consigam atingir velocidades máximas. Assim, uma variável muito importante é a área ocupada por cada jogador (m²/jogador). Pois, com a manipulação desta variável, é possível trazer características presentes nos médios e grandes jogos para os pequenos jogos, e vice-versa.
Contudo, para se trabalhar com jogos reduzidos no futebol não basta elaborar exercícios visando apenas uma resposta fisiológica, desconsiderando as demais vertentes presentes no jogo, como a tática, por exemplo. Desse modo, a composição das equipes durante a realização dos jogos exerce uma grande contribuição para unificar estas vertentes, a fim de otimizar o desempenho da equipe durante as sessões de treinamento.
A composição das equipes nos jogos reduzidos no futebol
Como já foi visto em textos anteriores, diferentes posições requerem demandas físicas especificas durante a partida. Dessa forma, é necessário saber se os jogos reduzidos demandam comportamentos específicos em relação ao estatuto posicional durante suas realizações.
Nessa perspectiva, pesquisadores brasileiros, em estudo publicado em 2017, quantificaram a demanda física em função do estatuto posicional em pequenos jogos de futebol. Os resultados demonstraram que os pequenos jogos refletem a especificidade do jogar em função do estatuto posicional em formatos de jogos de 3×3, onde cada equipe era composta por um defensor, um meio campista e um atacante. Acreditamos que este modelo permita uma correlação com as demandas físicas específicas solicitadas aos jogadores pelo jogo. Dessa forma, a composição das equipes nos pequenos jogos demonstra ser uma variável de suma importância para o condicionamento físico de jogadores. No entanto, para atingir maiores níveis de desempenho é necessária a manipulação de outras duas variáveis, são elas: implementação de regras e o incentivo verbal.
Influência da modificação da regra e incentivo verbal nos jogos reduzidos
Desde os primórdios do jogo de futebol, a regra do jogo exerce uma influência direta sobre os comportamentos dos jogadores durante uma partida. Como exemplo, podemos citar o surgimento da regra do impedimento. Nesse sentido, alguns estudos se propuseram a analisar a influência da modificação das regras durante a realização dos jogos em campo reduzido. Algumas variações analisadas foram:
- Número de toques na bola;
- 3×3 e 4×4 para: jogo exclusivamente ofensivo, defensivo e misto;
- Uso da marcação individual em fase defensiva.
Os autores relataram que, a manipulação da regra durante os jogos reduzidos, resulta em mudanças na intensidade dos jogos e nas ações técnicas e táticas. Por exemplo, os jogos sem restrição de números de toques na bola, estimulam os jogadores a realizarem mais duelos. Preservando, assim, a eficiência das ações técnicas. Por outro lado, essa manipulação da regra diminui o número de corridas em alta intensidade e sprints. Em contrapartida, a utilização da marcação individual aumenta cerca de 4,5% a FC durante a realização da atividade. O encorajamento verbal dos treinadores durante a realização dos jogos reduzidos também exerce uma influência no aumento da intensidade do jogo.
Modificações nos jogos reduzidos
Portanto, esses são apenas alguns exemplos de manipulações que podem ser feitas. Porém, podemos aplicar uma infinidade de modificações durante a realização dos jogos em campo reduzido, a fim de obter uma maior resposta física e fisiológica por parte dos atletas. A presença dos goleiros, presença de mini-gols, jogos contínuos e intermitentes são outros exemplos de manipulações nos mini-jogos.
Assim, conseguimos constatar que existem várias manipulações referentes a estrutura dos jogos em campo reduzidos, acarretando diferentes respostas físicas e fisiológicas. Percebemos que, quanto mais o jogo se aproxima do formato oficial, maiores serão as movimentações e menor será a intensidade fisiológica presente na atividade.
Treinamento aeróbio por meio dos jogos reduzidos
A capacidade aeróbia se resume basicamente em captar, transportar e metabolizar o oxigênio de modo a fornecer energia ao organismo, e superar a fadiga em determinado exercício ou atividade física. O trabalho aeróbio promove uma melhora do sistema respiratório e cardiovascular. Assim, devemos priorizar a montagem de exercícios que nos possibilite manter os atletas sobre frequência cardíaca mais elevadas durante maior tempo.
Nesse sentido, jogos reduzidos de 4 contra 4; e 5 contra 5 jogadores em uma área em torno de 150m² por jogador, parece ser uma boa opção para o treinamento aeróbio. Isso porque o contato constante com o centro do jogo, ou seja, com o local próximo à bola, permitirá que os jogadores realizem a atividade com maior intensidade física e fisiológica.
Outros diferentes métodos de treinamento são também aplicado para o desenvolvimento do metabolismo aeróbio. Como exemplo, um estudo realizado pelos pesquisadores Casamichana, Castellano e Dallal em 2013, afirmou que os jogos contínuos seriam mais eficientes para esta finalidade, dado que, devido à duração prolongada, o desgaste físico, frequência cardíaca e Percepção Subjetiva de Esforço (PSE) demonstrariam valores mais elevados.
Além do formato dos jogos e dos métodos de treinamento, ainda devemos considerar que as regras inclusas nos jogos reduzidos no futebol é outro fator relevante. A restrição do número de toques na bola, por exemplo, pode induzir a uma maior frequência cardíaca durante a realização da atividade; assim como a restrição da presença de goleiros e da utilização de mini-gols.
Treinamento da potência através dos jogos reduzidos
A potência é a capacidade do sistema neuromuscular de alcançar altos níveis de força no menor tempo possível. Sendo assim, para conseguirmos desenvolver esta capacidade através dos jogos reduzidos no futebol, devemos dar ênfase em comportamentos que exijam maior tensão muscular durante sua realização. Por exemplo: mudanças de direções, acelerações e frenagens.
Tendo isso em vista, formatos de jogos reduzidos menores são mais indicados para o desenvolvimento da potência. Como os jogos de 2×2, 3×3 até 4×4 com menos de 140 metros quadrados por jogador. Além disto, deve-se priorizar jogos descontínuos, ou seja, menor tempo de atividade e um maior intervalo entre as séries de exercícios.
Utilizar a presença de mini gols, ou até mesmo de goleiros, como ferramentas para estimular o aumento do número de ações de força/tensão durante a atividade é uma opção. Pois, o objetivo de atacar e defender uma meta, motivam a execução destes comportamentos.
Treinamento da velocidade através dos jogos reduzidos
ara treinar velocidade por meio dos jogos reduzidos, devemos nos ater a uma variável fundamental, a metragem quadrada por jogador. Sabemos que nos grandes jogos a intensidade fisiológica é menor em comparação aos pequenos jogos. Assim sendo, os médios e grandes jogos tornam-se alternativas interessantes para podermos desenvolver esta capacidade. Em 2016 pesquisadores europeus constataram que, grandes jogos de cerca de 8 contra 8 mais goleiros, proporcionaram aos atletas realizarem mais sprints durante a realização da atividade.
As medidas oficiais de um campo de futebol profissional padronizadas pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) são de 105mX68m, isto resulta em uma área total de 324m² coberta por cada jogador. Portanto, para enfatizarmos a velocidade nos jogos reduzidos, devemos elaborar trabalhos com uma área coberta maior que 150m² por jogador. Isso porque deve haver espaço para atingir maiores velocidades no jogo.
Ainda podemos utilizar a presença de goleiros nestas atividades, a montagem de campos verticais, e trabalhos envolvendo jogos de transição, ultrapassagem e progressões.
Afinal, como devemos treinar os jogos reduzidos?
Por fim, estes dois textos nos mostram o quão complexo é o método de treinamento por meio dos jogos reduzidos no futebol. Conhecemos as diversas variáveis envolvidas nesta metodologia e como manipulá-las para direcionarmos o treinamento ao alvo desejado.
Com uma montagem adequada, considerando o número de jogadores, a metragem quadrada coberta por cada atleta, a densidade do trabalho, a montagem das equipes, e as regras inclusas no exercício; será mais fácil ser assertivo em suas sessões de treinamento.
É importante ressaltar que os jogos reduzidos, apesar de apresentarem uma ótima correlação com o jogo, não necessariamente são a única e exclusiva metodologia de treinamento. Ou seja, eles podem ser conjugados com trabalhos de caráter analítico.
Cabe a cada profissional extrair o melhor de cada ferramenta, adaptando-se à realidade em que está inserido, para assim, atingir os melhores resultados possíveis.
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Fontes e Referências
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