Quando falamos de futebol de rua, o que vem à nossa mente são os chapéus do Ronaldinho Gaúcho, as canetas do Ronaldo Fenômeno, e atualmente as lambretas do Neymar. Mas além de jogar na rua durante a infância, o que mais esses brasileiros têm em comum?
Sim, o pensamento rápido, a imprevisibilidade. Mas como eles fazem isso com tanta facilidade e com tanta maestria?
Uma pesquisa mostrou que a quantidade de horas envolvidas em jogos é um dos fatores no desenvolvimento de habilidades e da tomada de decisão em jogadores de futebol. Logo, a grande exposição às atividades do jogo estão relacionadas ao excelente repertório cognitivo-emocional e motor do indivíduo.
Diante disso, durante a infância destes talentosos atletas, era comum que as crianças desfrutassem do futebol nas ruas. A princípio, as árvores se tornavam traves, as calçadas limitavam o campo e o pequeno espaço exigia o raciocínio acelerado.
O futebol de rua era, e ainda é, um ambiente de imprevisibilidade e educação, pois existem elementos de não linearidade que são capturados para aprendizagem. Porém, essa cultura brasileira vem diminuindo cada vez mais, já que a tecnologia evolui exponencialmente, e consequentemente, os tablets vêm ocupando o lugar das bolas.
Então é por isso que as pessoas dizem que os brasileiros estão perdendo a sua essência? Basta levar a criançada para jogar nas ruas, certo?
A questão não é só o espaço entre as calçadas, mas sim a imprevisibilidade que a rua gera por conta da alta variabilidade no jogo. Sendo assim, como os treinadores podem transferir a rua para as sessões de treino?
Pedagogia Não-Linear
Partindo do pressuposto de que o jogo de futebol é um sistema complexo, dinâmico e não linear, em algum momento haverá instabilidade nas interações entre os elementos do jogo. E no treino não é diferente. Em outras palavras, as equipes oscilam entre ordem e desordem, representando assim, a teoria do caos no futebol.
Portanto, cabe ao treinador preparar o jogador para o desconhecido, guiando-os para a melhor escolha do que fazer e como fazer (descoberta guiada). Dessa forma, a Pedagogia Não-linear fornece princípios pedagógicos, que auxiliarão os treinadores:
- Princípio da Representatividade: Simular o ambiente de jogo, pois trata-se deum ambiente caótico.
- Acoplamento Informação-Ação: Proporcionar várias opções para o atletatomar a decisão mais certeira em determinados contextos;
- Princípio da Aprendizagem Exploratória: Possibilitar ao atleta, a capacidade de modificar um gesto, sem perder a sua funcionalidade. Isto é, ao invés de prescrever um movimento ideal, deixe-o se auto organizar para solucionar o problema (abordagem ecológica).
- Manipulação de Constrangimentos: Manejar os elementos do jogo paradesafiar as ações e as tomadas de decisões dos praticantes. Por exemplo: alterar o tamanho do campo, diminuir ou aumentar o número de jogadores, modificar as balizas etc.
Através destes princípios, o treinador aumenta a representatividade do jogo, insere a variabilidade funcional e simplifica a tarefa para aumentar o acoplamento informação-ação. Ou seja, a PNL nada mais é do que uma maneira de formar jogadores criativos e autônomos em um contexto mais estruturado.
O futebol de rua como Jogos Reduzidos?
Uma alternativa para os treinadores é o uso de Jogos Reduzidos, de modo a gerar o fractal do jogo. Mas será que essas atividades podem ser tarefas representativas?
João Machado, no episódio 48 do Podcast Ciência da Bola diz que “depende”. Para criar uma atividade representativa, é prudente respeitar as características e o nível dos jogadores. Se a criança não tem percepção-cognitiva o suficiente para aquela tarefa, não haverá aprendizagem.
Além disso, é importante considerar os princípios do modelo de jogo, e que a intenção da tarefa seja evidente.
Por exemplo, se o meu objetivo é proporcionar autonomia para os jogadores escolherem a melhor decisão, enquanto treinador, devo oferecer um ambiente com diversas opções de escolhas. Pensando nisso, um Jogo Reduzido de posse de bola com 2vs2 é viável neste contexto?
Acredito que não, uma vez que, com essa manipulação, o atleta terá poucas opções de escolha: 1) conduzir, 2) passar a bola para o único colega 3) driblar o adversário.
Convém destacar também que, ao manipular excessivamente a tarefa, o jogador perde a capacidade de se expressar (ludicidade). Elemento presente no futebol de rua e é primordial para a criatividade do indivíduo.
Portanto, a Pedagogia Não-Linear visa manter os elementos do futebol de rua para os atletas solucionarem o excesso de problemas táticos que o jogo caótico promove.
Logo, enquanto treinador, penso que a chegada da ciência aos treinamentos é de grande valia para o esporte. No entanto, devemos ter a consciência de que o futebol também é arte. Ou seja, o jogo de qualidade tem demasiado jogo para ser ciência, mas é demasiado científico para ser só jogo.
Contato do Autor: @g_tadashi
Fontes e Referências:
Tomada de decisão no desporto.
Pedagogia não-linear no futebol: análise do processo de criação de tarefas representativas
Confira um episódio do Podcast Ciência da Bola que fala sobre o assunto:
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