O que quer dizer quando o jogador “se sente mais confortável” em determinada posição?
Muito se fala sobre atletas de futebol e suas capacidades para jogar em mais de uma posição ou desempenhar mais de uma função. Para o entendimento dessa diferença e uma introdução sobre tática, sugiro o texto “O que é tática no futebol?”.
Fato é que jogadores que tem uma posição “preferida”, ou “se sentem mais à vontade” em determinadas posições, são atletas que performam melhor em contextos mais específicos de jogo. O que isso quer dizer? Atletas que jogam “melhor” (ou têm essa percepção) em determinado contexto tendem a querer repetir as condições daquele contexto. Dessa forma eles se sentem mais confiantes e à vontade para desempenhar seu jogo tranquilamente.
Exemplificando o que foi dito: Um atleta canhoto acostumado a jogar na meia, com bom chute de média/longa distância começa a jogar numa equipe. Logo ele começa a fazer boas jogadas por dentro e finalizar com perigo durante os jogos.
Em um determinado momento, o treinador o coloca para jogar na ponta direita a fim de aproveitar o drible para dentro e a finalização. O atleta, porém, desacostumado a performar naquela região do campo, apresenta um rendimento menor e, consequentemente, tira de suas “preferências” jogar naquela parte do campo (ou naquela função).
O exemplo talvez seja um pouco extremo, mas serve como balizador para o entendimento das questões colocadas. Será utilizado apenas para fins didáticos.
Por que atletas preferem algumas posições?
A seguir, veremos possíveis explicações acerca de vários fatores que podem acarretar situações de preferência ou rejeição de uma posição/função por um atleta:
Como observado, a preferência por uma posição/função pode ser motivada pela autopercepção do atleta acerca do próprio rendimento. Caso se enxergue “menos capaz” de desempenhar um bom jogo, ele irá naturalmente rejeitar aquela posição. Caso compreenda que tem uma boa performance, o atleta irá buscar repetir as condições nas quais ele jogou bem.
Além da percepção de seu próprio desempenho, que é influenciada também por outros fatores (resultado, avaliação da torcida, da mídia, da comissão técnica,etc), existe outra influência mais direta. São os indicadores de desempenho necessários ou diferenciais para aquela determinada posição/função.
O que são indicadores de desempenho?
Em linhas gerais, os indicadores de desempenho são características de jogo que servem de referência para determinadas funções/posições. Para cada setor do campo, existem habilidades mais (ou menos) necessárias para um desempenho adequado ao modelo de jogo da equipe.
Nesse sentido, um atleta que apresenta bons indicadores para uma posição não necessariamente irá ter bom rendimento em outra posição, pois alguns indicadores são potencializados ou preteridos dependendo da posição/função.
Voltando ao caso do nosso atleta fictício, podemos supor que a construção de jogadas pelo meio e finalização de média e longa distância seriam seu forte. Tais características poderiam ser sustentadas por indicadores como a ‘facilidade de jogar entre as linhas adversárias’ e a ‘boa finalização sem constrangimento pelo opositor’.
Desse modo, ao ser deslocado para atuar na ponta, lhe seriam exigidos mais os indicadores de ‘drible em situações de 1×1’, ‘jogadas de linha de fundo com o pé não-dominante’ e ‘cobertura defensiva’, por exemplo. Desse modo, pela própria falta de familiaridade com os indicadores, o jogador pode ter mais dificuldade em atuar de maneira adequada ao modelo de jogo, ou o pedido do treinador.
Em resumo, as preferências de determinado atleta por posições/funções específicas têm relação direta com a autopercepção de seu próprio desempenho, associado à facilidade/dificuldade de apresentar os indicadores mais necessários àquela posição/função.
A partir das possíveis dissonâncias entre os fatores citados, podem ocorrer situações potencializadoras ou redutoras no que diz respeito ao rendimento do atleta.
O que acontece quando o jogador não joga em sua posição?
Um exemplo é o atleta que não consegue performar bem quando exigido em outra função e começa a estabelecer crenças sobre a função, diminuindo assim a percepção da própria capacidade e atuando sem confiança. Nesse caso é interessante perceber se há realmente dificuldade quanto às características do atleta (indicadores de desempenho) ou se há um componente de viés psicológico que atrapalha a concentração, confiança, controle da ativação, etc.
Outro lado da moeda é quando o atleta é colocado em uma função na qual não está habituado e pode:
1. Performar de fato melhor por apresentar indicadores necessários para a função, conseguindo resultados individualmente melhores por conta da maior adequação ao modelo; ou
2. Por motivos “terceiros*” performar melhor naquela posição e gerar a crença de que atuar naquela posição/função é mais adequado para si, aumentando assim a confiança, disposição ao esforço, tranquilidade para jogar, etc.
*Apoio da torcida, má fase do adversário de maior embate durante o jogo, condições favoráveis do jogo, etc
A compreensão do motivo que leva o próprio jogador a atribuir aspectos positivos ou negativos para uma posição nem sempre é clara e consciente. A preferência ou rejeição pode ter aspectos inconscientes, fazendo com que o atleta não saiba explicar o porquê de não se sentir confortável.
Sobre isso pode-se hipotetizar que existam marcadores somáticos atrelados ao contexto específico daquela função. Em outras palavras, existe algo que desagrade o atleta quando ele atua naquela posição, mesmo que ele não se dê conta.
Trazendo mais uma vez o nosso atleta fictício, podemos inferir que as situações de 1×1 e de lado de campo façam com que ele tenha menos tempo para tomar decisões. Dessa forma, ele pode ser mais exposto ao estresse e errar mais ações**. Isso, por sua vez, pode gerar uma reação negativa caso ele não possua estratégias para lidar com a ansiedade. Portanto, a partir dessas reações fisiológicas das quais ele não se dá conta, jogar numa determinada função/posição pode ser desprazeroso.
**Cabe ressaltar que não precisa que o atleta erre mais ações para que se sinta desconfortável no jogo. O simples fato de não executar as ações as quais está acostumado pode representar desprazer para aquele atleta. Ex: Um jogador que sempre constrói pelo meio e consegue assistências com passe na janela, caso deslocado para a ponta e não consiga mais dar assistências dessa maneira, pode sentir-se desconfortável. A mudança na forma que ao atleta interage com o jogo pode ser desprazerosa.
Como o atleta pode melhorar jogando em outra função?
Existe também uma nuance diferente acerca da temática da mudança de posição/função. Esta, por sua vez, conta com um caráter mais coletivo. Se dá quando o atleta é deslocado para executar outra função/posição por, dessa maneira, potencializar o jogo coletivo.
Em outras palavras, o jogador consegue melhorar o desempenho dos companheiros, de forma associativa, gerando um melhor rendimento coletivo.
Exemplificando: Um atleta pode ser deslocado para uma função diferente no campo, pois jogando dessa forma, consegue gerar espaço para companheiros do setor, ou promover coberturas eficientes, etc. Algumas das habilidades dos atletas podem conferir ao modelo de jogo, novas possibilidades que impactem de forma grupal a equipe.
Assim, o jogador em questão pode não ter o melhor rendimento que se entende que ELE teria, porém, ele consegue gerar vantagens para outros companheiros.
Quais fatores interferem na escolha da posição ou função?
Outro ponto relacionado às questões emocionais e individuais do esporte é relevante para a escolha do atleta de onde e como prefere jogar. Fatores como competitividade, cooperatividade, disposição ao esforço, entre outras, podem influenciar em maior ou menor grau.
Existem atletas mais ativos e mais inquietos, cuja preferência é sempre estar próximo ou no centro de jogo. Para estes, estar sem a bola não é interessante, fazendo com que por vezes estes diminuam o grau de concentração ou de ativação. Outros preferem funções mais competitivas, travando duelos físicos, por exemplo. Compreender o perfil de um atleta pode ajudar a encaixá-lo melhor em determinadas funções.
Como o próprio jogador se relaciona com o Futebol, de maneira geral, fornece indícios sobre como podemos potencializar suas virtudes, tanto para o jogo e resultados, quanto para o prazer de praticar o esporte. Para isso é preciso uma compreensão do ser humano, suas singularidades e as formas complexas de interação entre estes quanto atletas.
Em conclusão, a especialização, preferência ou adaptação em uma posição tem componentes individuais, táticos e psicológicos. Autopercepção de desempenho, habilidades relacionadas ao espaço de jogo, modelo de jogo, questões emocionais, como o atleta lida com o esporte, tudo isso pode influenciar as preferências de um atleta.
Contato do Autor:
Matheus Padilha Abrantes Reis
Instagram: @28padilha
E-mail: matheuspadilhaar@gmail.com
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